Animes que marcaram – Parte 4

Uma das razões pelas quais tenho andado a escrever tantos artigos longos a avaliar e categorizar os meus animes favoritos ano a ano é porque pensei para mim mesmo que queria deixar por escrito as minhas opiniões por algo que tem ocupado uma grande parte do meu tempo livre desde que comecei a seguir o meio regularmente algures durante os primeiros anos do século XXI.

Na primeira parte partilhei algumas das séries que acho mais influentes na década de 80, na segunda parte falei-vos sobre as séries que, na minha opinião, marcaram os anos 90 e na terceira olhámos para o início do milénio e as séries que moldaram a primeira metade da década de 2000.

Tinha mencionado antes que, quando comecei a compilar esta lista, houve um ano que claramente me saltou à vista como sendo particularmente marcante para a animação da terra do sol nascente e esse ano foi 2006 logo é por aí que vamos começar a quarta parte desta longa saga.

2006 a 2011 – Uma explosão de criatividade

Estamos agora a mais de uma década de distância de 2006 e muitos dos novos fãs do meio podem até nem conhecer algumas das séries que vou mencionar aqui mas a verdade é que todas elas, quase sem excepção, marcaram de alguma forma o meio e são ainda hoje inspiração para quase tudo o que sai dos estúdios de animação nipónicos..

Originalmente ia dividir esta lista em duas partes e dividir entre pré e pós 2009 devido a uma certa série que saiu nesse ano mas depois de pensar melhor vi que faz sentido juntar toda esta explosão de criatividade que começa sensivelmente em 2006 e que só para por volta de 2011 num único grupo. Poderia aqui especular sobre que eventos poderiam ter causado isto (como a crise financeira de 2008) mas deixo isso para os adeptos de sociologia.

Mas já chega de introduções, vamos lá falar de séries!

The Melancholy of Haruhi Suzumiya (2006)

The Melancholy of Haruhi Suzumiya (2006)

Quem estava por estas andanças no longo ano de 2006 lembra-se certamente que não havia convenção que não tivesse pelo menos um grupo de pessoas a dançar o Hare Hare Yukai, a dança inventada para acompanhar a música dos créditos desta série.

O estúdio oriundo da capital de 1000 anos, Kyoto, estava possivelmente no início da sua era dourada e deu-nos esta profundamente caótica adaptação de uma das mais populares Light Novels da altura.

Haruhi foi um autêntico tsunami que varreu a indústria na altura e é fácil traçar uma linha entre esta série e a crescente popularidade que as adaptações destas light novels viriam a ter nos anos que se seguiram.

O estúdio quebrou todas as regras e expectativas que existiam na animação da altura. Desde a exibição dos episódios fora de ordem até a uma série de clichés que literalmente introduziu no meio para este género de programas (a comédia que se passa numa escola secundária). Desde a total reinvenção da Kuudere na forma de Nagato Yuki (onde antes o arquétipo havia sido criado por Eva com Ayanami Rei) até a Kyon, o protagonista da série, cuja forma ácida de lidar com o que se passava na série se tornou uma das mais populares formas de escrever protagonistas desde então.

Ver Haruhi hoje não tem de todo o mesmo impacto que teve na altura muito pelo facto da sua popularidade ter sido tão alta e a sua influência na indústria tão grande que hoje aquilo que era revolucionário e inovador na altura se tornou banal e corriqueiro.

Isso e tentar sobreviver ao Endless Eight e os seus 8 episódios idênticos é algo que ainda hoje me dá pesadelos.

Death Note (2006)

Outra série que saiu em 2006 e que é, ainda hoje, uma das melhores formas de introduzir alguém ao meio é o famosíssimo Death Note.

Esta batalha entre Kira e L onde o jogo do gato e do rato entre ambos, a expectativa de ver se é desta ou não que o grande detective descobre a pessoa por trás do titular Death Note, é ainda hoje uma das melhores mangas e animes alguma vez feitos.

Ignorem a terrível adaptação da Netflix e vejam o original. É sem sombra de dúvidas uma das melhores séries que podem ver mesmo 14 anos depois da sua emissão original.

Code Geass (2006)

Code Geass (2006)

Mas se não bastasse ter Haruhi a reinventar os clichés da comédia na animação nipónica e Death Note a ser um dos melhores exemplos de sempre das histórias que o meio pode contar, o estúdio Sunrise (Gundam) tinha de reinventar também aquilo que é um dos géneros mais tradicionais em anime: Mecha.

Sim, 2006 deu-nos também o inigualável Code Geass! Nesta série a arte do popular grupo Clamp (Cardcaptor Sakura, Chobits) aliaram-se a uma história de vingança num estilo bombástico que só aquela ilha do pacífico consegue fazer.

Code Geass conseguiu juntar num único pacote personagens extremamente atraentes e dignos de rios de merchandising e cosplays, acção com robots gigantes a lutarem entre si e um enredo que deixa os espectadores na ânsia de ver o próximo episódio imediatamente pois são inacreditáveis as voltas que o enredo dá.

Acho que é justo dizer que ser um fã do meio em 2006 não foi nada mau e é provável que, até à data, este tenha sido possivelmente o mais interessante ano que os fãs do meio alguma vez tiveram o prazer de presenciar.

Clannad (2007)/Clannad: After Story (2008)

Mas como eu disse na introdução, de 2006 em diante o que não faltam são séries marcantes e 2007 não foi excepção.

Quem me conhece sabe certamente que tenho um apreço especial pela Kyoto Animation. E sabem certamente também que tenho um apreço especial por Clannad, o melodrama sobre adolescentes a descobrirem aquilo que é ter uma família.

Para mim Clannad é o auge de algo que provavelmente nunca mais irá acontecer: um estúdio com uma capacidade inigualável de traduzir para o pequeno ecrã o muito particular humor e melodrama de uma novela visual do estúdio Key receber o orçamento ideal, o tempo para trabalhar o produto e encontrar uma larga audiência receptiva para aquele tipo de obra naquele momento exacto no tempo.

Ainda hoje, 12 anos passados desde que acabei de ver a série pela primeira vez, consigo sentir aquele aperto do coração quando certas músicas da sua banda sonora me vêm à cabeça. Ainda hoje ver certas imagens da série me deixam perto das lágrimas devido ao seu impacto emocional.

Clannad não é o melhor argumento escrito por este autor. Há bons argumentos para escolher histórias como Air, Kanon ou Little Busters como tendo argumentos e/ou personagens melhores no seu formato original. É também verdade que a primeira metade da segunda temporada podia facilmente ser cortada e a série ficava com um ritmo melhor mas tudo isso é irrelevante porque, mesmo com todos esses defeitos, Clannad continua a ser o melodrama de referência para mim.

Tengen Toppa Gurren Lagann (2007)

Tengen Toppa Gurren Lagann (2007)

Faz o impossível, vê o invisível. Toca o intocável, quebra o inquebrável. Vai para além do impossível e atira a razão pela janela fora, é isso que representa a equipa Gurren!

Naquele que foi possivelmente o pico do histórico estúdio Gainax, 2007 deu-nos este Tengen Toppa Gurren Lagann. Imaginem o vosso Shounen preferido no seu ponto mais emocionante e tripliquem o entusiasmo que sentiram por aquela batalha emocionante. Conseguiram? Agora tripliquem isso outra vez… e outra vez… e continuem a fazer isso durante 26 episódios e podem começar a ter uma noção do quão insano é o ritmo desta série.

Se alguma vez viram uma série do estúdio Trigger (Kill la Kill, Little Witch Academia) então sabem o que esperar desta série. Uma série que começa com dois simples rapazes a lutarem por sair do buraco onde vivem (literalmente) e que acaba com batalhas de proporções universais… literalmente! A sério, isto acaba com seres a atirarem galáxias uns aos outros como armas. Eu diria que até faz sentido na série mas não… não faz. E é genial!

É triste olhar para trás e ver que apesar de TTGL ser absolutamente genial e uma autêntica trip de adrenalina que todos os fãs do meio deviam ver, foi também o princípio do fim para o estúdio Gainax. Mas talvez seja melhor assim. Desta forma a série não foi alvo de inúmeras sequelas desnecessárias que destruiriam a magia.

5 Centimeters per Second (2007)

5 Centimeters per Second (2007)

Certamente que Makoto Shinkai é um nome que não precisa de muitas apresentações hoje em dia. Obras como Tenki no Ko (Weathering with You/O Tempo Contigo) ou Kimi no Na Wa (Your Name) foram sucessos de bilheteira um pouco por todo o mundo e colocaram o realizador num patamar só alcançado anteriormente pelo estúdio Ghibli e o inigualável Hayao Miyazaki.

É importante mencionar então que aquele que foi possivelmente o primeiro grande êxito do realizador: este 5cm per second.

Esta é uma história de amor contada em 3 partes sobre um rapaz e a rapariga por quem ele se apaixonou enquanto criança. Não é uma história com final feliz mas sim uma história agridoce e melancólica sobre os perigos de ficar preso ao passado. É visualmente impressionante como calculam e absolutamente recomendado mesmo para quem não está interessado em animação.

Desde então o realizador atingiu um patamar ainda mais alto de beleza nas suas obras mas há qualquer coisa neste filme mais antigo que ainda hoje me faz ficar de boca aberta com as imagens de céus estrelados ou de cerejeiras em flor que polvilham a obra.

Macross F (2007)

Já mencionei aqui nesta série de artigos como Macross foi uma das séries mais marcantes dos anos 80. Nós aqui no ocidente acabámos por perder um pouco o comboio nesta série devido à história complicada dos seus direitos no ocidente, mas no Japão a sua influência sempre foi inegável.

E com este pano de fundo chegamos ao final de 2007 onde uma nova versão desta icónica série conhecida pela sua mistura entre aviões a jacto, robots gigantes e música pop, vê a luz do dia.

Macross F tem uma banda sonora inigualável ou não estivesse a lendária compositora Kanno Yoko (Cowboy Bebop, Escaflowne) envolvida e um triângulo amoroso que gerou páginas e páginas de debates em fóruns do início do milénio sobre qual das duas raparigas iria vencer.

O foco em duas divas pop ao bom estilo de uma Madona ou Whitney Houston como personagens principais é aquilo que possivelmente marcou mais a série (e em parte o boom dos ídolos que se seguiu com séries como Love Live iDOLM@STER) e não tenho receio em admitir que ainda hoje gosto de meter uma música como a Lion a tocar em fundo.

(A sério, vejam lá o poder vocal destas duas mulheres e digam que não é impressionante?)

True Tears (2008)

Explicar porque é que esta adaptação de uma novela visual de 2008 é marcante resume-se a um nome: Mari Okada.

Primeiro que tudo chamar-lhe uma adaptação é ser simpático uma vez que o enredo do anime é quase 100% original. E até digo mais: não é das minhas séries favoritas. Mas a verdade é que, na altura, foi extremamente popular e foi a primeira obra escrita pela acima mencionada Mari Okada, alguém que viria a ficar mais conhecida por séries como Anohana: The Flower We Saw That Day, a adaptação de Toradora ou o seu mais recente filme Maquia.

Hoje voltar atrás e ver esta série não é algo que eu recomendaria mas se quiserem ver os clichés que ficaram associados a esta popular argumentista tomar forma então sigam em frente.

Bakemonogatari (2009)

Mais um ano, mais uma série cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir. Pelas mãos da Shaft e do seu inconfundível director Akiyuki Shinbou vem a adaptação desta obra do igualmente inconfundível autor Nisio Isin que rebentou completamente a mente de todos os que a viram na altura.

Esta série não é fácil de seguir: há sempre algo a acontecer no ecrã, o diálogo parece nunca dar tréguas e visualmente estamos sempre a ser inundados pelo surrealismo habitual do seu realizador. O uso e abuso de trocadilhos no original também não ajudam à tradução ou à leitura atempada das muitas linhas de legendas.

O impacto desta série é inquestionável. Da mesma forma que séries durante anos foram descritas como “semelhantes a Evangelion”, também agora é comum ouvir o termo “semelhante a Monogatari” como descrição (ainda que muitas vezes errada).

É também graças a uma das sequelas desta série que nunca vou olhar para uma escova de dentes da mesma forma.

K-On! (2009)

K-On! (2009)

Foi também em 2009 que nos chegou a adaptação de uma manga sobre raparigas a beber chá quando deviam estar a tocar música. K-On! praticamente popularizou o género de “raparigas fofas a fazerem coisas fofas” que ainda hoje gera resmas de clones ano após ano.

K-On! é uma daquelas poucas séries que conseguiu quebrar a barreira e para além de apelar apenas aos Otakus apelou também ao comum dos mortais com a série original a passar em canais como o Disney Channel no Japão.

A série foi também em grande parte responsável por uma mudança radical na arte das séries de animação pós-2010 com muitas séries a adoptarem o estilo mais simplista e “fofo” que esta série popularizou.

Fate/Zero (2011)

Fate é uma franchise estupidamente popular e Zero é a prequela brutal cujos adaptação era exigida pelos fãs da saga há anos. Em 2011 o altamente competente estúdio Ufotable pegou nas rédeas do projecto e deu-nos finalmente a primeira boa adaptação do franchise para o formato de animação. Não é, portanto, nada surpreendente que o resultado se tenha tornado altamente popular.

A série serve também como um começo de uma vaga de popularidade para o seu autor, Urobuchi “Butcher” Gen, bem como o ponto em que esta já muito popular série se tornou numa autêntica máquina de imprimir dinheiro.

Fate/Zero é ainda hoje impressionante de ver, especialmente para uma série de TV e não uma OVA ou Filme, e o seu enredo com uma espécie de cinismo realista parece ter caído que nem uma luva no espírito global dos 2010s.

Puella Magi Madoka Magica (2011)

Puella Magi Madoka Magica (2011)

E falando em séries marcantes… 

Como poderia uma lista de animes marcantes passar sem falar nesta série que reinventou o clássico género Mahou Shoujo (Sailor Moon).

Com realização a cargo do  atrás mencionado Akiyuki Shinbou e o seu surrealismo e com o enredo a cargo do também já mencionado Urobuchi “Butcher” Gen, Madoka Magica só precisou de 3 episódios para fazer todos os fãs do meio perderem a cabeça! O facto do desenho das personagens estar a cargo da mesma artista que fez o incrivelmente foto Hidamari Sketch foi a cereja no topo do bolo.

Estando lá quando a série apareceu e seguindo-a em tempo real posso relatar que todos esperávamos algo vindo do mesmo autor de Fate/Zero mas todo marketing à volta da série conseguiu com sucesso esconder o que aí vinha e o impacto que isso causou foi sísmico.

Se não sabem o grande twist da série até agora e estão curiosos fechem-se com os primeiros 3 episódios da série e vejam isto porque vale muito a pena. Madoka Magica desconstrói um género que era uma das pedras basilares do meio até então e vira-o completamente de pernas para o ar. Gerou um sem número de cópias nos anos que se seguiram e ainda hoje a sua popularidade persiste com jogos, spin-offs e outros tantos projectos a serem produzidos quase 10 anos depois do seu lançamento.

Steins;Gate (2011)

Por fim resta mencionar que 2011 foi também o ano em que o estúdio White Fox nos deu esta brilhante adaptação da novela gráfica Steins;Gate.

A história de um jovem adulto a viajar pelo tempo vezes sem conta na tentativa de salvar aqueles que lhe são próximos demora um bocadinho a ganhar vapor mas quando o comboio sai da estação todos aqueles momentos mais calmos do princípio servem para aumentar o impacto do drama que polvilha a segunda metade da série.

O impacto desta série na animação não posso dizer que tenha sido algo da mesma dimensão de outras entradas nesta lista mas já o seu impacto na popularidade do género das novelas gráficas no ocidente é outra história. Poderia-se argumentar que foi graças a Steins;Gate que as editoras perceberam que havia mercado para editar este tipo de jogos fora do Japão levando à autêntica idade de ouro que vivemos hoje com um sem número de obras a serem disponibilizadas em Inglês seja no PC ou nas consolas.

Steins;Gate (2011)

E com isto concluo a minha longa, longa, lista de séries que de alguma forma foram marcando o meio da animação japonesa ao longo dos anos. Desde a popularização do mecha nos anos 70 e 80 com séries com Gundam, a sua reinvenção nos anos 90 com Eva ou a introdução de obras como Perfect Blue ou Ghost in the Shell a mostrarem que era possível abordar temas de forma mais complexa neste meio, houve muitas mudanças e séries marcantes ao longo dos últimos 40 anos neste meio.

Não falei aqui sobre a década dos 2010 pois acho que ainda é cedo demais para conseguirmos compreender quais são aquelas obras que influenciaram de alguma forma o que se seguiu. Será que séries como Attack on Titan ou Demon Slayer serão vistas como meramente populares ou será que criaram também elas ondas na indústria que se propagaram durante anos ou quiçá décadas? Só o futuro o dirá e eu espero estar cá daqui a 10, 20, talvez 30 anos para analisar novamente essas mudanças.

Até lá podem dizer de vossa justiça via Twitter ou Facebook o que acharam desta lista. Esqueci-me de alguma coisa? Escolhi mal em algum momento? Fico à espera dos vossos comentários.