Animes que marcaram – Parte 2

Uma das razões pelas quais tenho andado a escrever tantos artigos longos a avaliar e categorizar os meus animes favoritos ano a ano é porque pensei para mim mesmo que queria deixar por escrito as minhas opiniões por algo que tem ocupado uma grande parte do meu tempo livre desde que comecei a seguir o meio regularmente algures durante os primeiros anos do século XXI.

Na primeira parte partilhei algumas das séries que acho mais influentes na década de 80 e neste vamos avançar para os anos 90. Não na vou analisar a década toda mas vou sim começar precisamente pelo meio quando uma das séries mais influentes de sempre gracejou o pequeno ecrã.

Mas não só de uma série é feita a década e existem múltiplos outros clássicos que viram a luz durante segunda metade dos anos 90. Não é de todo por acaso que os irmãos Wachowski lançaram Matrix no fim da década, um filme que é francamente inspirado não só pela animação nipónica dos anos 90 como também das décadas que a precederam.

1990s – Revolução

Neon Genesis Evangelion (1995)

Bam! Vamos começar pelo título mais óbvio. Neon Genesis Evangelion saiu no longínquo ano de 1995 e rapidamente explodiu em popularidade… e também com o orçamento da Gainax que ficou sem dinheiro para os últimos episódios da série e se viu forçada a usar formas muito criativas e experimentais para esconder as falhas de orçamento da produção. Quem também estava um pouco no limite era o seu director, Hideki Anno, cujo historial de depressão clínica é reconhecido como uma das maiores inspirações do enredo.

Eu era obviamente demasiado novo para Eva quando originalmente saiu nos idos de 95 mas nos meus 15/16 anos perdi largas horas em debates e a exagerar na análise de cada detalhe do enredo e da sua exploração dos temas da natureza humana e das limitações de nós, seres humanos, em comunicar uns com os outros.

Eva é daquelas séries que tem mais impacto quando é vista durante a adolescência. É o tipo de enredo que tem mais impacto quando estamos cheios de hormonas em ebulição e a começar a compreender o mundo mas ainda sem o cinismo inerente à idade.

Quem nunca viu Eva tem absolutamente de aproveitar a sua recente adição ao Netflix para colmatar essa falha.

Esta é a série que gerou um sem número de clones e mudou quase da noite para o dia toda uma indústria. Criou um novo género, novos clichés e inspirou uma geração não só de fãs como também de criadores.

É justo dizer que Eva marca um ponto de viragem no meio. Quase tudo o que foi produzido pode ser facilmente dividido entre o que veio antes e que, se visto hoje, pareceria claramente datado, e o que veio depois e que mesmo hoje é reconhecível como fruto da mesma árvore das séries mais recentes.

Houve, sem sombra de dúvidas, uma mudança brutal no meio neste ano mas Eva não foi o único responsável e o próximo título na lista tem também uma grande culpa no cartório.

Ghost in the Shell - Poster

Ghost in the Shell (1995)

Cá está, outra das obras absolutamente seminais dos anos 90. Eu mencionei os irmãos Wachowski antes e esta série é grande parte dessa referência. Se há algo que podemos chamar de inspiração para o The Matrix ao ponto de quase roçar a imitação é Ghost in the Shell.

Esta é A obra que define Cyberpunk nos anos 90. Absolutamente recheada de filosofia e cujos temas de auto identificação num mundo onde os meios de comunicação nos fazem perder num mar de informação são quiçá mais relevantes agora do que eram quando o filme foi originalmente lançado. Algo que é sempre um sinal de uma excelente obra de arte.

E sim, para mim GITS é tanto uma obra de arte como filmes como A Lista de Schindler ou o Padrinho.

The Vision of Escaflowne (1996)

Escaflowne é uma série absolutamente fantástica e profundamente influente para o meio mas que é muitas vezes esquecida e cuja relevância como influência só tem crescido ao longo dos anos mesmo com muitos dos fãs mais recentes a desconhecem totalmente a sua existência.

Kawamori Shouji (director, Macross), Kanno Yoko (compositora, Cowboy Bebop) e a novata actriz Sakamoto Maaya a dar voz à personagem principal são apenas alguns dos nomes que fazem parte da equipa por trás desta série que levou uma simples rapariga adolescente para um outro mundo de fantasia onde robots gigantes se vêm misturados num enredo que envolve o futuro de reinos, do mundo e, mais importante de tudo, do futuro da sua vida amorosa.

Em tempos idos diria que não havia muitas séries como Escaflowne mas ultimamente parece que não há temporada sem outra história de alguém a ser levado para longe da sua vida banal e largado num mundo fantástico cheio de magia e aventuras.

Não existem muitas séries como esta que são relativamente desconhecidas pelo público em geral mas cuja influência é absolutamente inquestionável (e crescente ano após ano). Se querem expandir o vosso know-how do meio têm mesmo de ver esta série. Depois podem, como eu, relembrar a toda a gente que isso do Isekai foi aperfeiçoado nos anos 90 e com uma banda sonora que humilha quase tudo o que é feito hoje.

Rurouni Kenshin (1996)

Os anos 90 foram também a década que nos deu a brilhante adaptação de Rurouni Kenshin (ou Samurai X como ficou conhecida por estas bandas). Este é um dos grandes Shounen dos anos 90, antes de séries como Naruto ou Bleach serem sequer ideias nas mentes dos seus autores, e como tal teve uma profunda influência no meio.

É possivelmente um pouco difícil de ver esta adaptação hoje em dia quando muitas das coisas que fez de diferente são agora corriqueiras mas sempre foi um excelente trabalho de transposição para o pequeno ecrã e não sofre tanto das maleitas dos dias de hoje no género. Ao contrário de séries como Dragon Ball Z ou Naruto, esta série tem muito menos filler e muito menos batalhas que se esticam por semanas a fio para evitar ultrapassar a obra original pelo que é bem mais fácil de ver mas não deixa de ser uma obra relativamente barata dos anos 90 com tudo o que daí advém.

É mais recomendado pegar na manga do que no anime mas a verdade é que foi uma obra influente no seu tempo e daí a sua presença nesta lista.

Perfect Blue (1998)

Perfect Blue é uma obra de animação, sim, mas genuinamente não precisava de ser. É um excelente thriller que explora a crescente instabilidade mental da sua personagem principal fruto do stresse criado pelas acções de ser perseguido e podia perfeitamente ter sido adaptado como um filme tradicional. Em vez disso o brilhante e infelizmente falecido Satoshi Kon deu-nos uma requintada obra de animação.

Se há uma obra de animação que consigo, sem reservas, recomendar a qualquer pessoa, seja ela fã de animação ou não, é este filme. Satoshi Kon foi um dos melhores realizadores que alguma vez gracejou o meio mas infelizmente morreu demasiado novo e com um leque de filmes realizados criminalmente curto.

A sua morte foi uma das mais genuínas tragédias das artes.

Initial D (1998)

E agora para algo completamente diferente.

Initial D tem alguns dos personagens mais feios da década e a banda sonora que acompanha a série não poderia sair de mais nenhum ponto no tempo sem ser a década que nos trouxe coisas como Eiffel 65 mas é uma série que marcou uma geração de fanáticos dos carros.

Esta manga e série é basicamente aquilo que Fast & Furious se viria a tornar mais tarde mas em forma de filme: algo que captura perfeitamente numa obra de ficção aquela que é a cultura automobilística do momento. Neste caso a cultura em questão é aquela que gracejou o Japão nos anos 90 e que viu imensos jovens adultos pegar nos carros e atacarem as estradas de montanha do Japão em corridas ilegais e criou o fenómeno do drifting.

Esta série é autêntica pornografia automobilística do princípio ao fim com uma atenção gigantesca ao detalhe dos carros, da sub-cultura representada no ecrã, e ainda hoje responsável pela popularidade de um certo Toyota AE86 de 1983.

Serial Experiments: Lain (1998)

Os anos 90 foram, sem sombra de dúvidas, os anos da série feita para dar cabo da cabeça do espectador com filosofia e Lain é outra das mais importantes obras da década.

Esta série lida com o misturar dos mundos virtuais e reais, muito à semelhança do que fez Ghost in the Shell, e é uma obra profundamente relevante no meio e cuja influência é inegável.

Se optarem por ver isto não se admirem se pelo caminho começarem a questionar o que é ou não é real pois é exactamente esse o objectivo do enredo e a sua execução é sem sombra de dúvidas brilhante.

Não é tão amplamente conhecida como Ghost in the Shell mas é igualmente influente e um verdadeiro clássico que têm de adicionar à vossa lista.

Cowboy Bebop (1998)

Cowboy Bebop - Poster

E aqui está ela: uma das séries mais bem cotadas em qualquer top. Tem alguma da melhor animação em célula tradicional em algo que não tem o nome Ghibli associado, tem uma das melhores bandas sonoras de sempre a cargo da inigualável Kanno Yoko e da banda Jazz criada para a ocasião (The Seatbelts) e tem um sentido de estilo que polvilha todos os minutos do seu tempo de antena e que poucos sequer se atreveram a tentar replicar.

O enredo é uma autêntica declaração de amor ao Film Noir, sem grandes rasgos de absoluta genialidade, mas perfeitamente apropriada para complementar os outros elementos da produção e perfeitamente executada do princípio ao fim (algo que não se pode dizer de todas as séries, mesmo muitas nesta lista). Possui também um dos elencos mais memoráveis do meio.

Se nunca viram Cowboy Bebop ficam com isso como trabalho de casa.

Excel Saga (1999)

Excel Saga é uma das séries mais insanas que alguma vez vi. É tão para lá daquilo que é normal que tenho genuínas dificuldades em descrever mas tem um tipo de humor que pura e simplesmente funcionou para mim.

Este não é o tipo de nonsense que encontram num sketch de Monty Python ou Gato Fedorento, é mais o tipo de humor meio ridículo que era tão comum nos inícios da internet com referências a outras séries, brincar com clichés e quebras da quarta barreira. Se falar de texugos, texugos, cogumelos e cobras é algo que compreendem então provavelmente vão gostar disto.

Digimon Adventure (1999)

O ano era 1999, o final do milénio, e os miúdos nos recreios estavam a falar de uma série nova que era tipo Pokémon mas diferente, mais “digital”. As comparações com a série do Pikachu são inevitáveis mas, na minha modesta opinião, Digimon é a melhor das duas.

Em primeiro lugar Digimon tem personagens que crescem, que têm conflitos interpessoais e que crescem ao longo do desenrolar da história. A forma como o enredo de Digimon explora as relações entre os seus personagens e os seus digimons companheiros ou como consegue dar uma sensação de real consequência às acções do elenco eleva-a acima do anúncio animado que são as primeiras temporadas de Pokémon.

Digimon pode não ter o nível de requinte de uma série como Cowboy Bebop ou Serial Experiments Lain mas o seu impacto cultural é inegável.

GTO (1999)

Falando de crescimento de personagens e adicionado uma boa dose de responsabilidade chegamos a este Great Teacher Onizuka. Esta é uma adaptação de uma manga dos anos 90 que não só é absolutamente hilariante como é também um excelente representante do estilo da década.

Crest/Banner of the Stars (1999)

Um género que pessoalmente aprecio bastante é a Space Opera e se existe um melhor exemplo do género no que toca a animação nipónica posso dizer que nunca vi (nota: nunca vi as OVA original do The Legend of Galactic Heroes).

Esta saga é o tipo de histórias que procuro desesperadamente ver todas as temporadas mas cuja sua ausência já me resignei a antecipar. Existem alguns vislumbres ocasionais de séries semelhantes mas nada chega à discreta beleza da relação entre os protagonistas Jinto e Lafiel.

Felizmente o J-Novel Club está a re-traduzir os livros originais e a primeira colectânea já está na minha mesa de cabeceira.

FLCL - Poster

FLCL (2000)

Nenhuma lista deste género podia ser considerada completa sem mencionar Furi Kuri. Esta OVA foi basicamente feita como acompanhamento perfeito à obra da banda de punk rock japonês The Pillows pelas mentes insanas do estúdio Gainax.

A série de 6 episódios conta-nos a história de um miúdo que vê um robot literalmente crescer-lhe na testa a sair do galo que ele recebeu quando uma tipa meio maluca apareceu do nada a conduzir uma lambreta e lhe acertou em cheio com uma guitarra como se estivesse a num estranho jogo de polo motorizado.

Tenho a certeza que acertei na descrição mas se isto vos soa completamente insano é porque é exactamente isso que é. Genial é outra palavra que poderia ser usada para o descrever e imperdível seria o meu juízo final.

E são estas algumas das séries que, na minha modesta opinião, servem no seu conjunto como uma bela fotografia da década de 90 no que toca à animação japonesa. Foi uma década claramente separada a meio por algumas séries que são referências inegáveis no meio e que para sempre mudaram o panorama da indústria. Séries como Evangelion, Cowboy Bebop ou Ghost in the Shell são óbvias mas outras como Escaflowne ou Lain são igualmente importantes para o meio e nem todos os fãs actuais estão cientes da sua importância.

Opiniões? Críticas às minhas escolhas? Façam favor de dizer de vossa justiça via Twitter ou Facebook enquanto eu preparo a próxima lista com séries do início do novo milénio.