Não é pessoal

Don't Take It Personaly, Babe, It Just Ain't Your Story - Main Menu

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Não é todos os dias que um jogo consegue a proeza de subtilmente me levar a acreditar em algo que pode não ser necessariamente verdade ou de me fazer olhar para trás e pensar que as acções que tomei fazem de mim um monstro. Mas é certamente ainda mais invulgar quando um “jogo” me faz ter estes sentimentos apesar de ser basicamente um livro interactivo sem grandes possibilidades de eu, jogador, influenciar as acções de alguém que não sou eu: o personagem principal.

Don’t Take It Personaly, Babe, It Just Ain’t Your Story é outra das historias interactivas da mente brilhante de Christine Love, a pessoa por trás de Digital: A Love Story e mais recentemente Analogue: A Hate Story.

AVISO: Antes de mais nada vou já deixar claro que, ao contrario do que é habitual, não consegui mesmo arranjar forma de escrever esta entrada sem desvendar partes importantes da historia do “jogo” e, considerando que a historia em si é o jogo, torna-se extremamente importante deixar este facto bem claro.

A historia de Don’t Take It Personaly é no fundo uma exploração de uma possível sociedade do nosso futuro próximo onde nos tornámos tão habituados às redes sociais como o Facebook ou o Twitter de tal forma que esse tipo de interacção se torna banal e aplicável nas mais variadas áreas da sociedade.

É neste universo que encontramos o personagem principal John Rook, um homem que decidiu mudar de carreira e passar a ensinar literatura numa escola para fugir à sua vida pautada por dois divórcios. A escola onde o personagem vai dar aulas distribui a todos os seus alunos tablets equipados não só com os materiais necessários para as aulas como também com acesso a uma rede social interna (muito ao estilo Facebook) onde os alunos podem comunicar entre si. A John é entregue também uma destas tablets e o director da escola diz-lhe que é-lhe possível ler todas as mensagens (incluindo as privadas) enviadas pelos alunos numa tentativa de procurar evitar fenómenos de bullying mas que ele deve manter esse facto segredo para evitar potenciais escândalos.

Don't Take It Personaly, Babe, It Just Ain't Your Story - AmieConnect

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E é precisamente neste ponto que o jogo se vai focar. Por muito que o jogador queira a todo o custo evitar dar uso dessa ferramenta existem momentos pontuais no jogo em que se é forçado a ler as mensagens e não há forma de o escapar. Como disse antes nós não encarnamos o personagem principal, simplesmente estamos a ver o mundo pelos seus olhos e a influenciar algumas da suas decisões. Mas mesmo que o jogador não fosse obrigado a ver as mensagens é muito provável que uma pessoa acabe por fazê-lo. Ser curioso é ser humano e o contador que vai crescendo acompanhado de um pequeno som a indicar novas mensagens é uma forma subtil mas eficaz de despertar essa mesma curiosidade e rapidamente se cai na rotina voyeur de acompanhar as mensagens dos alunos.

O brilhantismo do jogo não está na jogabilidade ou na parte mais superficial do enredo. Sim o conceito de uma rede social dentro do jogo é curiosa e a existência de uma espécie de fórum cujo nome não deve ser mencionado serve para dar umas gargalhadas. No entanto a historia, apesar de conjugar um numero bastante elevado de enredos simultâneos que nos deixam por vezes perdidos, não deixa de recair nos clichés típicos das historias de romance adolescente ainda que com o twist curioso de uma substancial fatia da turma ser homosexual.

Não, o brilhantismo do jogo está na forma como explora o conceito da morte da privacidade e como isso pode (ou não) afectar o dia a dia de um grupo banal de pessoas. O brilhantismo está também em eu ter chegado ao fim, olhado para trás e, mesmo sabendo que o jogo me força a ler a maioria das mensagens, acabei por sucumbir e cair na “armadilha” de tentar aceder a mensagens que os alunos protegeram com uma password que o personagem principal não tinha à mão naquele momento. Esse foi o momento em que quem ultrapassou o limite não foi o personagem mas sim eu e no entanto tornou-se um acto tão natural durante o decorrer de todo o jogo que nem o notei até reflectir nisso mais tarde, quando o jogo inevitavelmente volta o feitiço contra o feiticeiro e revela que utilizou com mestria a minha curiosidade para me fazer acreditar em algo que não era necessariamente verdade ao bom estilo d’O Pedro e o Lobo. Esse foi o momento em que o jogo me fez pensar e foi o momento que me fez escrever esta entrada.

Don’t Take It Personaly não é para todos e muitos diriam até que não é um jogo (e não o é, é uma historia interactiva, uma Visual Novel) mas que é bastante bom é. Digital e Analogue são melhores sem sombra de duvida, nem que seja pela diferença qualitativa da arte, mas este explora algo que é claramente importante para o autor e importante para qualquer pessoa interessada na evolução da nossa sociedade num futuro próximo.

Veredicto: Se conseguirem estar coisa de duas horas a ler uma historia interactiva e estão interessados no tema este jogo merece uma vista de olhos e se gostaram de Analogue e Digital ainda mais.

Classificação: 3.9/5 Nonsenses